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"A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber
da fonte da água viva."(Ap 21,6-b)

 

 

 

 

“A ORAÇÃO CENTRANTE E O DESPERTAR INTERIOR”


Palestra por Reverenda Cynthia Bourgeault, da Igreja Episcopal dos EUA, autora de “Centering Prayer and Inner Awakening”- 24/01/05, aos monges trapistas do Mosteiro “Our Lady of the Holy Spirit” (Conyers, Georgia, USA)

 



O DESAFIO DA LINGUAGEM
- O resgate da oração contemplativa, que virou sinônimo de meditação, tornou-se uma estrada difícil de se trilhar no Cristianismo Ocidental. As categorias onde se pode situá-la - após os séculos 16 e 17, após Teresa de Ávila e João da Cruz e toda a experiência interpretada, são de difícil tradução e classificação.

Muitos mestres, e penso que Thomas Keating é o exemplo clássico aqui - compreenderam de maneira muito clara e perspicaz, que esse processo de apenas nos sentarmos e meditarmos, contém algo crucial e essencial ao coração da prática espiritual cristã, presente desde o seu início. Mas nunca houve muitas expressões adequadas para expressar esse “algo”.

Muito frequentemente, acontece tomarmos emprestado de linguagens metafísicas do Oriente ou de outras experiências, categorias que fazem com que a Oração Centrante se pareça com uma oração que vise esvaziar a mente ou cultivar a quietude. Muitas pessoas nos movimentos carismáticos - tanto Católicos como no Protestantismo Fundamentalista - criticam muito isso. Dizem eles, “Isso não é Cristão, absolutamente! Nada tem a ver com as raízes de nossa experiência. Onde vocês encontraram isso na Escritura ou na Tradição?”

Acredito que muitos problemas que essas pessoas tem com a meditação, como prática Cristã , está no âmbito da linguagem - a nomenclatura. Sempre que se começa a falar sobre oração de esvaziamento e quietude, ou então de se iniciar a prática da meditação (sem passar antes pelos passos da oração mental ou ‘oratio’), vamos ter pessoas enlouquecidas dizendo, “Isto não se parece com nada que tenhamos aprendido!”. E toda sorte de problemas.

Queria muito saber se haveria pontos de partida mais amigáveis, compatíveis com o Cristianismo, realmente sérios e inegociáveis, para a compreensão da meditação dentro de um contexto teológico Cristão.
Penso que a Oração Centrante se presta muito bem a essa abordagem teológica, provavelmente melhor do que qualquer outra forma meditativa disponível hoje em dia, dentro da esfera das práticas Cristãs.

Intenção e Disponibilidade. Na Oração Centrante, como nos ensinam as instruções, não se fica tentando concentrar a mente, como na repetição de um mantra, continuamente. Também não é um processo de auto-consciência, como na prática Budista - como quando se fica consciente de um pensamento ou emoção emergindo, e se observa o processo inteiro e algumas vezes se rotula o mesmo: “pensamento enraivecido”, ou “pensamento sensual”. A Oração Centrante não faz isso.

Na Oração Centrante iniciamos com a “intenção”, mais do que “atenção”. Thomas Keating enfatiza isto sempre. A nossa intenção é estarmos completamente abertos a Deus - completamente disponíveis. Tão profundamente como se pode ser aberto interiormente: mais profundo do que o nosso pensar, mais profundo do que nossas emoções, mais do que sua própria estória, seus sonhos, suas visões.

As palavras “disponível” e “vazio”não são sinônimas. Quando se diz, “Meu objetivo é esvaziar-me”, você está num jogo da linguagem - e numa impossibilidade. Mas, estar “disponível”, é realmente abrir nosso coração ao amor. Penso que nos colocamos a caminho com o pé direito na Oração Centrante, se falarmos do objetivo como sendo uma profunda disponibilidade. Mais profunda do que as coisas que determinam nosso senso usual de ser.

Mas, naturalmente, “a estrada que leva ao inferno está cheia de boas intenções.” Na Oração Centrante, pode-se ter a intenção maravilhosa de estarmos profundamente disponíveis, mas, e daí? Sentamo-nos em oração e dizemos, “Vou estar profundamente disponível a Deus. Vou me abrir a Deus. Aqui estou Senhor. Preencha-me. Esvazie-me. Faça o que quiseres comigo.” Então você se senta. Antes que se passem trinta segundos você já está pensando: “Será que guardei as chaves?” Ou, “Isto já é contemplação?” A mente começa a viajar. Apenas isto. Esta é a natureza da mente humana.

O ACORDO. Na Oração Centrante, a maneira como se coloca a intenção é o modo como gosto de chamar, um pequeno “acordo”. E o acordo é este: “Quando percebemos que estamos pensando, simplesmente deixamos que o pensamento se vá.” Não porque pensar seja algo ruim, mas porque dentro dessa oração, o deixar que os pensamentos passem é o símbolo do ‘deixar nossas próprias coisas’ e retornar àquela aberta e imediata disponibilidade.

Digo que o objetivo não é sentarmo-nos munidos com arma e munição e tentarmos abater todos os pensamentos assim que surgem. E encare isto: Na Oração Centrante passamos algum tempo sonhando acordado. Faz parte dela. Mas quando se tem um pensamento e algo nos recorda isso (e misteriosamente isso acontece!), deixamos que ele se vá. Para mim, esse “deixar ir” é a essência absoluta do método da Oração Centrante.

KENOSE. O que esse ‘deixar ir’, desapegar, largar, realmente significa, quando visto teologicamente, é ‘kenose’ na forma meditativa. Sim, kenose, como descrita por São Paulo em seu Hino aos Filipenses, 2, 6-9. A raiz teológica da Oração Centrante está na teologia da Kenose - da completa auto-doação no amor.

Chamo essa oração de “Campo de Treinamento no Getsemâni”. O que fazemos, pensamento, por pensamento, por pensamento, por pensamento, é, estamos praticando. “Não a minha vontade, mas a Vossa, Ó Senhor!” A cada vez que nos desapegamos de um pensamento e deixamos que ele se vá, e fazemos este gesto internamente, livremente, isto se torna um símbolo de nossa vontade de deixarmos nossas ‘coisas’ e estarmos totalmente abertos e disponíveis a qualquer coisa que Deus tenha em mente. Nos entregamos num nível verdadeiramente profundo.

Uma das estórias de Thomas Keating, que traz um ensinamento poderoso, é sobre uma freira que veio a uma palestra introdutória sobre Oração Centrante e disse, depois da prática de vinte minutos: “Oh padre Thomas, fui um fracasso nessa oração. Tive mais de 10.000 pensamentos em vinte minutos.” Ao que ele respondeu: “Que maravilha!!! Dez mil oportunidades de retornar a Deus!”
"Ele, existindo em forma divina,
não considerou como presa a agarrar o ser igual a Deus,
mas despojou-se,
assumindo a forma de escravo
e tornando-se igual ao ser humano.
Aparecendo como qualquer homem,
humilhou-se, fazendo-se obediente
até a morte - e morte de cruz!
Por isso, Deus o exaltou acima de tudo
e lhe deu o Nome que está acima de todo nome." (Fil, 2,6-9)

 



GANHAR OU GANHAR.
Isto faz da Oração Centrante uma situação de ganhar ou ganhar. A natureza sagrada desta oração - o lugar sacramental nela - não é alcançado através da tentativa de manter sua mente num estado único de consciência, em nenhum estado alterado de consciência. O objetivo não é tentar e atingir a alegria. Não é buscar atingir coisa alguma. Os momentos de sacralidade nesta oração vêm quando algo em nós compreende - e isto se dá de um modo engraçado - “Ó, estou pensando...” e desejamos que isto se vá, como símbolo de “Não a minha, mas a Vossa Vontade seja feita, Ó Senhor.”

Vejo a oração operando completamente sob o emblema da Kenose. Quando praticada desse modo, as perguntas se dissolvem: “Isto é Cristão?”, Pode apostar que é Cristã! É segura e pode ser praticada até por iniciantes. Quem disse que é necessário ser “avançado”, para entregar nosso coração a Deus?

Sempre digo às pessoas que esta oração é uma situação de ganhar ou ganhar, porque quando nos sentamos para meditar e a mente se aquieta imediatamente, ótimo. Já tivemos essa experiência, seguramente. Se nos sentamos e nossa mente se assemelha a uma dessas máquinas de fazer pipoca, “pop, pop, pop, pop” - um pensamento após o outro - e ainda estamos fazendo o melhor que podemos para deixar os pensamentos irem, então estaremos praticando a Oração Centrante. Se nos sentamos e estamos com uma terrível dor de cabeça e quase não podemos nos concentrar em nada, e pensamos, “Meu Senhor amado, hoje estou um farrapo diante de Vós”, e ainda assim tentamos deixar esse pensamento passar, então estamos praticando a Oração Centrante. É uma situação de ganhar sempre. Quando a luta com os pensamentos ocorre de maneira acidentada, então se obtém um bom exercício aeróbico para os 'músculos da entrega'.

O gesto de ‘deixar ir’. Há umas duas vantagens nessa abordagem. Uma é prática e a outra é teológica. A prática é que há cem por cento de chances de se levar a prática dessa meditação para nossa vida diária. Tento mostrar às pessoas que esse gesto de ‘deixar ir’, praticado por algum tempo na Oração Centrante, é apenas isto - um gesto interior. Não é uma atitude. Quando se deixa que um pensamento se vá, algo realmente acontece dentro da estrutura física de nosso corpo; algo vai sendo liberado. Com o tempo e perseverança na prática, começamos a perceber gradualmente que podemos enfrentar as situações da vida com o mesmo gesto interior com o qual praticamos a Oração Centrante. Antes de ficarmos irados e reagir, ou ficarmos magoados ou feridos, podemos apenas ‘deixar ir’.

Algumas vezes a “palavra sagrada” pode simplesmente surgir e nos ajudar. Como parte do método, a Oração Centrante ensina as pessoas a usar o que chamamos de “palavra sagrada” ou “palavra de oração”, como meio de nos ajudar a deixar que os pensamentos passem. Pode ser uma palavra como “Abba”, “Jesus”, “Luz”, etc... (Uma pequena palavra de uma sílaba ou duas, no máximo). Ou uma palavra que seja próxima de uma atitude que gostaríamos de trazer para nossa oração, como “Paz”, “desapego”, “aqui”, etc... Trabalhamos com essa palavra. Não é um mantra como no sentido clássico do termo, porque não a repetimos seguidamente, como ponto focal de nossa atenção. Ela apenas é usada quando algo em nós se torna consciente de que estamos pensando, para nos ajudar a deixarmos esse pensamento passar e a realmente nos lembrar o que pretendemos, estando assentados aqui.

O que começa a acontecer é que a ‘palavra’ aparece borbulhando em você, também no meio dos seus afazeres diários. Lembro-me de uma vez em que eu me apressava para pegar um vôo. Estava atrasada, no meio de um congestionamento. Pude compreender que não haveria meio de eu pegar aquele avião. Eu estava ficando mais e mais irritada. De repente, não sei de onde, surge esta palavra: “coração”. Minha palavra sagrada: “coração”. Era, “ok, deixe que passe. Meu aborrecimento não vai fazer com que o tráfego se mova mais rapidamente. Tudo o que vai fazer é tirar-me para fora da lembrança de Deus.”
Modelar o gesto e a palavra ajuda-nos a fazer esta fiel conexão entre o que fazemos no tempo da oração e o que fazemos no tempo da vida. Penso que esse é o aspecto prático. Não acontece automaticamente, mas ele fornece uma base sólida para ajudar as pessoas a compreenderem que a atitude de “auto-entrega” é na verdade, oração na ação.

A teologia do ‘deixar ir’ e ‘deixar ser’. Teologicamente, considerar a Oração Centrante essencialmente como a prática da kenose em forma de meditação, também nos liga a uma das mais profundas ajudas energéticas - e eu diria ainda, profundamente Cristã e Judaico-Cristã - que existem. Se olharmos de certa maneira, nossa compreensão Cristã é baseada nessa idéia do “deixe ser, deixe ir”.
Penso que “deixe ser”, e “deixe ir”, são de maneira profunda, sinônimos. Sabemos que foi aquele “deixe ser”, que Jesus foi capaz de dizer no Jardim do Getsemani, que tornou possível a manifestação da redenção da humanidade. Sabemos - voltando um pouco na história - que foi o “deixe ser” de Maria que tornou possível a manifestação na carne, de nosso Salvador e Redentor. Retrocedendo ainda mais, foi o “deixe ser” de Deus que trouxe à existência essa linda Criação.

Eu diria que nossa tradição, Judaico-Cristã, e particularmente, nossa herança Cristã, está profundamente baseada nesse “Deixe ser, deixe ir, deixe ser”. Isto é lugar e o modo onde a criatividade do amor pode vir à tona. Isto é o segredo, esta é a maneira pela qual a luz se faz: “deixe ser”.
Penso que é onde devemos trazer as pessoas para meditar, na tradição cristã - deixemos que comecem praticando sobre a bandeira da ‘kenose’, compreendendo que o que estão fazendo ao meditar na Oração Centante é aprender o gesto sagrado, aquela atitude sagrada do “Deixe ser, deixe ir, deixe que Deus permaneça”. Então vamos poder levar este mesmo gesto para a vida e praticá-lo na vida, e iremos permitir que o mesmo gesto nos conduza à Presença. A grande dança da criatividade divina inicia seu bailado dentro de nós, quando podemos relaxar nessa atitude de ‘deixar ir’, deixar que tudo passe.

Porque meditação? Pratico a Oração Centrante porque ela foi a primeira prática que realmente quebrou a minha ‘casca’ e me permitiu iniciar a imitação de Cristo a partir de dentro, e não mais de fora. Se ela pertence ou não, à história real de nossa tradição meditativa Cristã - e eu acho que não - penso que ela é tão profundamente teológica e são tão verdadeiros os seus frutos, que ela pode ser recebida com alegria dentro do conjunto das práticas transformacionais mais genuinamente cristãs.

Quando as pessoas me perguntam, “Por que você medita?” Não respondo que é “Bem, porque ela controla minha pressão alta”, ou “Porque ela me deixa mais calma e tranquila.” Nem mesmo digo que é porque o silêncio é mais agradável a Deus, porque eu realmente não penso que isso seja verdade. O que a meditação faz é que ela muda a nossa maneira de pensar. Geralmente, dentro do Cristianismo, quando se fala em mudar nossa mente ou revestirmo-nos uma nova mentalidade, falamos na verdade de mudar o conteúdo daquilo que pensamos. Então, passamos de pensamentos retorcidos, egoístas, para pensamentos bons e piedosos. Mas o que quero dizer é que a meditação muda nossa maneira de pensar - o filtro real, as lentes pelas quais percebemos a realidade. Ela muda no sentido de ficarmos mais capazes de viver o extraordinário paradoxo, o paradoxo salvador da vida Cristã. Para mim, meditação é basicamente o pensamento místico cristão fundacional.

Expectativas na Meditação. Há uma tendência inerente em nós de ir para a meditação com expectativas. E geralmente pensamos que sabemos o que é uma boa meditação e o que é uma meditação ruim. E admitamos isso ou não, dizemos que um bom período meditativo seja aquele em que possamos atingir uma prolongada e profunda quietude. Isso realmente coloca a ênfase no resultado, e então sentimos toda aquela ansiedade da performance ao redor, e desejamos então organizar tudo para que tenhamos uma melhor meditação (por exemplo, mais calma, mais quieta). Algumas das melhores meditações são aquelas em que nos sentamos, ainda que contorcendo-nos em nossa própria pele e praticamos o ‘deixar ir, deixar ir, deixar ir’. Algumas vezes, deliberadamente, vou para a meditação quando sei que estou absolutamente péssima! Quando mudamos a atitude, de modo que não seja uma oração na qual estamos buscando algo, mas uma oração onde nós nos ofertamos, pelo fato de simplesmente estarmos presentes e de deixar que os pensamentos passem, então qualquer tipo de controle do ambiente externo ao redor, se torna menos importante. Quero evitar que a meditação se torne mais um ato de piedade ou uma outra idolatria. Ela é apenas um processo através do qual encontramos a Deus, não um lugar no qual O encontramos.

continua, em breve...

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Tradução por Jandira Soares Pimentel, autorizada pela autora, a quem agradecemos.

Thanks so very much Cynthia! God bless you!



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